terça-feira, 12 de novembro de 2013

As águas de Lianna.

"Eu sei que você não pode acreditar...Mas,você irá com o tempo.
Quero lhe proteger,e pra isso,é preciso o sacrifício...Mantenha-se frio,mantenha nosso segredo em Pandora."


Longe de casa,caminhando com um trecho de uma música na cabeça...Que diz o seguinte : "De qualquer maneira,eles não conhecem você,como eu conheço."
Acho que estou preocupado sobre a coisa errada,contudo, meu lado metódico não me deixa seguir adiante,sem cogitar toda hipótese possível.
Arthur Conan Doyle...Mãe,por quê desde pequeno me fez apaixonar-me pela forma de escrita? Olhava meu avô como Holmes,fumando seu cachimbo de marfim. Enquanto virava as páginas de seu jornal matinal...
Cresci com ambientes cheirando a fumaça,cafeína,e naftalina. E meu pai ainda me dá tapinhas nos ombros,questionando a razão pela qual escolhi minha carreira profissional...
Perícia Criminal...Uma alma eternamente solitária como a minha,sedenta pela investigação e o poder da prova,necessitava de uma profissão menos,digamos, "depressiva"?
Oras,por favor...Poupem-me deste discurso! Nós nascemos para certas coisas...O estudo se torna mais fácil,inclusive. Só gente sem talento fala uma coisa dessas.
Acordei na madrugada,novamente...Minha insônia não me deixava descansar. Levantei da cama,reparei na silhueta do meu corpo pelo espelho na parede,que ela tanto fez questão de ter. Por um momento pensei em quebra-lo...Pedacinhos voando,enquanto refletiam o brilho da lua que invadia meu quarto.
Droga! Dormi com essa papelada toda em cima de mim...Nossa,preciso de um café.
Enquanto fazia meu café,reparei que a casa ainda estava com o cheiro de seu perfume...E os incensos que usava pro seu Yoga. Uma fúria imensa tomou conta de mim...Decidi terminar de fazer o café e desfazer de toda aquela tralha. Fiquei me questionando o por que aguentei tudo aquilo por tanto tempo,mas o fato é que ela havia deixado essa visão em mim...que banho algum de ervas ajudaria a tirar-me o estigma. Já estava vendo coisas,durante o trabalho,e fora dele...
Pensei em procurar um grupo de ajuda...Mas esse é o tipo de coisa que se fala para poucos.
Imagine-me chegando até a bancada e dizendo: "Olá,boa tarde a todos,sou perito criminal,e vejo gente morta." Eu realmente vejo gente morta,eu lido com cenas de crimes...hahahahahaha,cômico... Patético!
Mas como explicar os espíritos? Como explicar essas almas procurando desencarnação?
Bom,peguei as caixas e decidi que algumas,seriam devolvidas,outras,queimadas...
Ela não me deu escolha! Disse que eu não tinha tempo pra ela,nem pro nosso relacionamento...Nem pra pensar em ter filhos.Ok,eu daria um jeito. Mas,ela resolveu de forma mais prática e animalesca.
É,talvez eu seja realmente um nômade disfarçado em terno.É, UM NÔMADE...
MERDA! CHUTEI A PORCARIA DA CAIXA...VOU TER QUE ARRUMAR TUDO NOVAMENTE.

Olhei para o relógio,eram 02:57 am. Merda de horário...eu verdadeiramente adoraria ter um caso agora,nem que fosse um acidente qualquer.Para lidar com toda a cena,documentação,relatórios,e componentes. Falar com os policiais,montar estratagemas com meus colegas de trabalho.
Correr para o laboratório,aproveitando os excelentes químicos que temos...A aparelhagem...
Eu sou melhor assim,eu sou melhor nisso,eu sou...eu...é...eu...Esqueça.
Lágrimas escorrendo enquanto olho para nossa última foto,juntos.
Eu vi o suficiente,é tempo de ir...É tempo de respirar!
Larguei a foto entre os objetos e afins,para serem queimados.
Fui procurando cada vez mais,e obviamente,encontrando...Até juntar tudo.
O ódio tomou conta de mim,e a partir daqui...Estou pouco me importando com qualquer coisa.

"Você disse que não queria viver na escuridão,queria que eu a libertasse" .Te conduzi em meus braços como no Tango. Tirei você de toda aquela lama...E tudo que me resta agora,é limpar a sujeira que você deixou em mim.

Cada ponto da floresta de mim mesmo,cheira a você.
Pensamentos,pensamentos,sentimentos...Os feitos me levaram até as 5:30 am. Já era hora de começar a me arrumar para mais uma rotina. Preciso dar um jeito em tudo isso...Metade já está se encaminhando,porém,necessito da troca de horário. Calmantes não vão resolver meu problema...
Aprontei-me em cerca de 40 minutos,tomei meu café da manhã,liguei a tv,rodei alguns canais,não vi nada de interessante. Peguei meu casaco,minha bolsa,dei uma última olhada na minha aparência,naquele maldito espelho,e sai.
Os passos marcados,dados por pisadas fortes,compunham o meu humor. Entrei no carro,coloquei minhas coisas no banco traseiro,e dei partida.
Cheguei ao Instituto de Criminalística,em 2 horas de viagem...Trânsito desgraçado. Metrópole as vezes me irrita...Mas vivo dela. Sem ela,não há crime. Sem ela,não há mentes doentias.
Cumprimentei meus colegas e dei de cara com o Jorge, um dos que tenho grande orgulho de fazer parte do dia-a-dia. Demos o costumeiro "bom dia" seguido de uma provocação que chamamos de "up na carreira".
Nada demais,na verdade...Apenas o bom e velho sarcasmo em prática.
Ele me entregou uma pasta de arquivos,haviam umas fotos nela...Abri para verificar. Antes de analisar,o próprio Jorge começou a falar:
- Rob,quero que você analise muito bem esta cena,ok?
-Ok Jorge,você me conhece há anos,sabe como trabalho...Por que agora,essa "pressão"?
-Não,não é nada...Quer dizer,é sim,mas...Eu quero muito que você esteja em seu melhor momento particular e...
-O que meu momento particular tem a ver com isso?
-Você se sente feliz?
-Jorge,isso não tem nada a ver com nosso trabalho!
-Responde-me...
-Me sinto satisfeito com o meu trabalho...Quanto a vida pessoal,minha namorada terminou comigo há alguns dias atrás. Estou no processo de compreensão de tudo,para poder desapegar do sentimento ruim que persistiu em ficar...Foram anos de relacionamento e,enfim...
-Ok. Isso não pode prejudicar nossa investigação. Acho melhor lhe dar o dia de folga,pra você pensar mais em tudo e...
-Cala essa boca Jorge. Vamos logo pro carro,já estamos com tudo pronto. E por que diabos você está me escondendo os detalhes do caso,como topografia,etc?
-Tudo bem,vamos logo pro carro. No caminho eu vou te explicando,ok?
-Tá que seja...
Respondi em um ar de deboche...Fiquei irritado com tudo aquilo e nem pensei que estava sendo intolerante com meu colega de trabalho. Entramos no carro e fomos conversando...Eu percebia uma imensa cautela vinda do Jorge,ao falar sobre o caso. Parecia até que se tratava de...Deixa pra lá,vou nem pensar nisso.
Chegamos ao local,era íngreme,portanto paramos o carro,pegamos nossos mecanismos de trabalho,e seguimos a pé.
Quando chegamos na ponta desta ladeira,havia quase que um abismo,naquela mata. Tivemos que pedir reforços da equipe,para podermos descer em segurança para examinar a área e todos os componentes,e o restante da equipe ficar recebendo alguns dos dados que enviassemos,no ponto estável do terreno.
Os reforços chegaram,então prosseguimos no nosso trabalho. Descemos então,nos apoiando na própria terra,e nas pedras,para com que conseguissemos ultrapassar a parte mais difícil...A mata fechada.
Fomos adentrando,mais e mais...Com cautela. Havia um riacho mais para frente no terreno...Jorge pediu que eu o resguardasse, enquanto ele explorava mais. Aqueles arrepios me vieram até a espinha dorsal...Fechei os olhos por segundos,pensando em poder ver algo não explicável pela ciência...
E eu realmente vi...
Era ela, Lianna...Minha,minha...Adorada Lianna. Mas,o que ela estava fazendo aqui? E desta forma espectral? Não...
NÃO,LIANNA...NÃO!!!
JORGE...JORGE...
Jorge olhou pra mim,com profunda tristeza e quis me impedir de ver o corpo no riacho...Lá ela estava,com seu corpo todo imerso na água,boiando,inerte.
Pela primeira vez,eu chorei durante meu trabalho...Não conseguia nem respirar direito. Ajoelhei-me na beira do riacho. Eu não me importava com mais nada...Nada se passava em minha mente,apenas uma dor dentro de mim,que jamais havia sentido.
Minha linda...tão linda Lianna. Por que? Quem fez isso? Minha Lianna...Minha Lianna...

Jorge encontrou próximo onde eu estava sentado,uma bolsa...
Dentro desta bolsa,havia um "Livro das Sombras". Neste livro,nas últimas páginas,havia uma confissão:

"Rob,meu amado Rob...
Gostaria de lhe escrever nestas linhas,coisas positivas,ou até mesmo declarar o meu amor por você...Mas a única coisa que pude fazer,foi colocar dentre meu livro de estudos de magia,uma parte sobre nosso amor...E uma parte muito ínfima,por assim dizer. Me perdoe por isto...
 Eu quis escrever aqui, por ser algo verdadeiro...E você trabalha com isso,preza tanto isso. Eu nunca desisti das minhas raízes,de meus estudos...E escondia isso de você. Por isso escolhi justamente este livro,para poder falar que...Estou partindo. Você não pode entender agora,mas desejo que cante comigo,quando sentir-me perto de você. Eu te amo,e meu fim estava determinado:
Outò, ba mwen son ou,e,
Outò, ba mwen son ou,e,
Tanbouyè, o ba mwen son ou,
Solèy lève."





















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