sábado, 5 de julho de 2014

Vloudischt.



Não era comum eu estar sentado á mesa,prestando atenção nas conversas de todos ao redor. Mas dessa vez,fiquei. Imaginando como seria se cada um falasse um idioma diferente...Igual aquela passagem bíblica onde as tribos não se entendiam.
O mundo não era o suficiente para hospedar tamanha ignorância. Haja paciência!
Isso me fazia rir. Me fazia refletir. Me fazia temer. Temer um dia que eu pegasse essas desinformações,por osmose.
Resolvi caminhar um pouco até o jardim,procurando uma paz interior que não encontrava. Não era lá que iria vê-la,sem dúvida...mas a forma como as plantas se mexiam por conta da brisa noturna,me deixava crer um pouco no rejuvenescimento do meu humor decaído.
Foi quando observei-o em meio ao labirinto da folhagem.
Palidez de outrora,cabelos ornamentando o rosto de traços marcantes e um olhar deveras perturbador.
Fui direcionado ao seu encontro,por algo que não consigo explicar. Não senti-me atraído pelo seu cheiro,nem pela sua aparência. Só que havia algo ali!
Sentei-me ao lado do chafariz,e chamei-o para conversar. Ele veio olhando desconfiado para todo o ambiente,parecendo um selvagem em pleno território desconhecido.
Seu aspecto era de fato esquisito,visto que suas roupas não condiziam com o período ao qual estávamos. Perguntei se ele comprou aquelas roupas na cidade,em uma loja de antiguidades. Ele respondeu que eu não entenderia,mas se sentia lisonjeado por eu tê-lo visto em meio a camuflagem natural. Ninguém o via!
Denotei que ainda tentava se esconder,mesmo com minhas perguntas pertinentes,que prosseguiam a cada momento.
Seu nome era falácia em pleno brilho da lua. Vloudischt...
Se eu o pronunciasse 3 vezes,em frente um espelho,ele viria em meu auxílio.
Aquilo soou como um panteão para meu tédio. Era ilógico,e ainda assim,agradeci acenando com a cabeça,enquanto se deslocava até o labirinto,de onde o avistei.
Quando retornei para o interior da casa,olhei para trás...Tive a impressão de que ele ainda estava lá.
Segui meu caminho.
Fui até meu quarto,passando pelas infinitas salas de minha casa. Não entendia a razão de minha família ter feito tantas,mas...Eles gostavam de demonstrar algo que não eram. Nobres!
Decidi chamar seu nome no espelho,só pra provar que aquilo não era possível.
Nada aconteceu!
Sorri,e então troquei de roupa,para poder dormir. Não dei boa noite a ninguém...Aquelas pessoas eram mais estranhas para mim,do que o homem que havia acabado de conhecer. Ele me trazia recordações,que eu não compreendia.
Peguei no sono,em um longo suspiro. Acordei ensopado de suor,com o pesadelo interminável de desencontros entre minha alma e meu corpo. O que era aquilo?
Virei minha cabeça para o lado esquerdo do quarto. A janela trazia a brisa gélida da madrugada,enquanto o cheiro do ambiente se modificava. Cogitei ter sido de alguma planta,e tentei voltar a dormir.


Espere...eu já senti esse cheiro antes.
Vloudischt!
Vloudischt,você está aqui? ( perguntava na esperança de obter algo em troca,nem que fosse barganhado)

A visão ficou turva,enquanto meu corpo adormecia involuntariamente!
Foi então quando pude ouvir o relógio bater...O coração acelerar...O caos da centopéia que caminhava sobre meu livro ao lado da cama. Meus sentidos aguçaram e meu raciocínio se deturpou!
Entorpecido pela agonia dessas sensações,continuava imóvel.
A respiração descompassada invadia o senso comum...Invadia o centro do equilíbrio.
O ar não preenchia seu espaço,por mais forte que eu tentasse encher os pulmões. Estava denso.
Tic...Tic...Tic...Toc...Tic...Tic...Tic...Toc...Tic...Tic...Tic...Toc...Tic...Tic...Tic...Toc...
Já não sabia se era minha mente contando o tempo,ou o relógio de parede.
Foi quando pude notá-lo ali...em cima de minha cabeceira,me drenando.

"Durma pobre criança. Durma para que a noite te leve para os braços da finitude humana,e lhe traga para o renascer do fluído eterno!"

Não conseguia respondê-lo,questioná-lo,ou defender-me.
Ali fiquei. Ali morri. Ali reencontrei-me!





quinta-feira, 1 de maio de 2014

Waidmanns Heil II

-De onde você saiu,Maphor?
-Você não gostará de saber...
- Creio que você está me enrolando com suas artimanhas. Presto atenção,e no entanto não diz nada.
-Bom,primeiramente,necessito entrar no seu carro para que consiga relatar tudo...Tenho lordose e ficar encurvado aqui,está começando a...
-Tá,entendi. Entra logo!

Laradhya liberou o acesso a porta do carro,para Maphor,que prosseguiu a falar assim que adentrou ao mesmo.
Explicou toda a história desde a criação desta criatura que ambos caçavam,até a relação contratual que ela estava mantendo...Sendo a mesma uma farsa,envolvendo alguns líderes corruptos da Igreja.
A verdade é apenas uma: Ninguém queria esse peso nas costas,e no final,era Laradhya que levaria a culpa.
Sumiriam com ela,assim como sumiam com os vestígios das caçadas,e deixariam uma pensão gorda para sua família. Assim,quem iria reclamar sua ausência?
Os dois começaram a planejar então,um ato contra a matança desta criatura...para negociarem com ele,e inverterem os papéis. O interessante era,desta vez,deixar o dia ser da caça.
Estacionaram o carro,em um determinado ponto,próximo a uma cabana. Teriam de seguir a pé,pela mata.
Estavam acostumados a situações como esta.
O trajeto era repleto de insetos,e algumas carcaças...Larvas também rastejavam entre as vísceras dos poucos animais ou humanos,que ali estavam,mortos.
Encontraram a criatura se alimentando,de um urso. É...O dia realmente era da caça.
Assim que chegaram em leves passos pelas folhas no chão,a criatura já sabia de vossas presenças.
Com agilidade,ele desceu da árvore onde estava com o que restava do urso em suas mãos,e posicionou-se na frente dos dois,que se assustaram apontando suas armas para a criatura...

-Ora,ora,ora...Vejam só se não são dois oportunistas frequentando minha floresta.
O que desejam por aqui? Estão com fome?

Laradhya prontamente respondeu:
-Nós estamos aqui para propôr algo a você.

Maphor manteve-se calado.

A criatura,sadicamente,disse:
-Eu tenho uma educação refinada,e pretendo me apresentar. Meu nome é Zephyrot. Tenho milhares de anos,sou imortal,e obviamente,não deveria estar aqui. Uma fenda entre meu "Universo" e o de vocês,foi aberta. Sendo assim,fui libertado sem ao menos pedir por isso.
Sou a mistura de 3 raças...e a única coisa que possuo de uma delas,são as orelhas. Ficam lindas em mim,não acham?

Laradhya: -Incrível como tanta brutalidade,que vimos até chegar aqui,se move rapidamente e você transparece uma fada,dentro de si.

Zephyrot: -Já que são mal humorados...Vou tratá-los de mesma forma. Quero algo de um de vocês.

Maphor: - Nós precisamos de algo seu,na verdade.

Zephyrot: - Não negocio com comida.

Laradhya:- Não somos sua comida...Mas adoraria ter você,assando em uma fogueira.

Zephyrot:- Antes que você tentasse,já estaria sendo mastigada crua,enquanto viva...

Maphor:- Gostaria de pedir que vocês pudessem ficar um tempo em silêncio para que eu diplomaticamente falasse o que acontece aqui.

Zephyrot: - Ok grandão...Pronuncie-se.

Maphor então contou a Zephyrot tudo que era planejado para ser feito contra o mesmo. Deixando-o com a boca salivando de ódio.
Laradhya não tirava as mãos de sua besta composta. Gostaria muito de executar a sentença,mas Maphor tinha seu plano e ela deixava-o seguir em frente.
Zephyrot aceitou o plano de exterminar os bons cristãos que estavam por trás da contratação de Maphor e Laradhya.

Caminhavam rumo ao destino,e...

-Ferdinand...Ferdinand...
Ouviu-se um sussurro na mata. Os 3 procuravam a mesma coisa,mas não encontravam!
-Acorde sua irmã,Ferdinand...
Continuavam procurando...
-Ande,Ferdinand!

Olá filha...Estamos aqui faz algumas horas...Tentamos acordá-la mais cedo,em vão. Seu sono profundo nos impediu.

-Quem são vocês? Onde está Maphor? E Zephyrot? Ainda quero matá-lo.

A mãe olhou para o médico,que esperava-a com uma seringa.

Fabyanna,inconformada,olhava desolada para todos na sala...Começava a reconhecê-los,mas a sessão ainda não tinha acabado. Por que estavam lá?

Fabyanna,disse o médico...Você teve uma alucinação. Nada disso é real e procuramos tratá-la para que entenda a diferença entre o mundo real e...

Zephyrot,é você!!! É VOCÊ!!!! SEU MALDITO! Gritava enquanto amarravam-na a cama. O médico aplicou o conteúdo da seringa em seu braço esquerdo...

Caminhavam rumo ao destino,e...







Waidmanns Heil I



Senti-a se imperial,ao longo de seus olhares de caçadora.
Ao decair do dia,cada segundo era um êxtase. Uma chance de fazer diferente,cada ataque. Ela vivia dessa maneira de forma milenar...Atraente como o drink mais caro de uma casa conceituada,e intransponível como um baluarte. Levá-la para cama não era tarefa fácil. Muitos homens tentavam,mas ela mantinha seu foco em espécimes específicas. A noite é boa morada para tudo que há de profano ditado pelo conceito comum. Ela usava desses prazeres as vezes...Abusava de alguns. Mas sempre se mantinha distante,como uma francesa entediada. O que ela desejava de verdade,não estava palpável.
Seus maiores clientes variavam desde as forças militares,intitutos espaciais,biólogos,médicos,governantes e bons cristãos.
 Muito trabalho a fazer,prazos teoricamente inatingíveis,e pessoas perigosas pra negociar. 
Negociar? O preço estava tabelado e o prazo estabelecido,pronto...Era isto.
Laradhya caminhava lentamente pelos campos da Casa Vermelha. Um dos locais mais belos para se observar. Chegava até a porta, observada pelos guardas armados daquela suposta fortaleza.
Sorria,descompromissada...Gostaria de uma taça de vinho do porto,naquele instante. Alguns daqueles militares eram interessantes pra brincar. 
Subindo a escada encontrou nas mãos de um mascarado,como sempre acontecia,a missão e a sentença.
Raros eram os que voltavam para relatar qualquer experiência,qualquer razão.

Pegou o envelope dourado,sorriu ironicamente acenando com a cabeça,em pedido de licença.
Abriu-o em seu Porsche...Os pagamentos de clientes de alto padrão,a possibilitavam uma vida moderna bem gasta. O nome da criatura era Velory,residia no cemitério local,era o que eles chamavam de híbrido.
3 raças da fantasia misturadas, 1 vampiro, 1 changelling, 1 lobisomen. E nesta esfera...Essas raças eram muito além do que reais.
Depois de mortas,eram noticiadas como explosões isoladas,lixos tóxicos,erros em laboratórios. Isso quando eram noticiadas. O conveniente de deixar sem provas,apenas a da sentença,era o ideal.
Começou a se preparar,com armamento pesado,e feitiços nas mangas.
Uma mão surgiu do vidro do carro...

Ela apontou sua besta composta e deu de cara com um homem,queixo quadrado,desenho de mandibula triangular,cabelos castanhos, olhos profundos de mesma cor dos cabelos,pele pálida,como a dela,expressividade perturbada e sombria...
Depois do estranhamento,e todos detalhes de suas respectivas indumentárias serem eliminados como perigo,ele conseguiu se apresentar a ela.
Seu nome soava como música,mas o que exatamente ele queria?

-Laradhya,sou o Maphor. Vim para ajudá-la
-Eu não desejo ajuda.
-Acredite...você vai precisar.

Laradhya logo sentiu a estranheza...mas teve de deixa-lo se explicar. Achava que era um teste,mas era impossível tal feito...

(continua)


quarta-feira, 23 de abril de 2014

Insolência



A dor me consumia por dentro...Como se filetes de minha carne fossem tirados,a cada movimento. Sempre fui tão controlado quanto a minha mente,estudei tanto,me dediquei tanto...Acabei sendo açoitado pelos meus próprios pensamentos.
O físico já estava prejudicado pelo imaginário.
Passava meus dias em atividades corriqueiras da vida comum,e as noites,a olhar para dentro de mim...Eu nunca quis isso.
O ambiente solitário do apartamento na Zona Norte,me fazia crer que em algum dado momento,decidiria então por eliminar-me. O jogo da sobrevivência já não estava mais tão excitante,meus 45 anos começavam a pesar.
Já havia passado da crítica idade de Cristo,mas esse tempo vivendo pelos outros me fez esquecer um pouco de quem sou,e de quem escondo,aqui dentro. Atualmente,essa parte veio me dando sinais de que não deixaria nada passar...
Acordei ás 5:00pm,com falta de ar. Não tive pesadelos,mas sim,visões. Como flashs de memórias vindo despretenciosos. O início de tudo...
Minha mãe costumava me embalar ao som de músicas ambientais,provindas de várias regiões da Europa. Nossa ascendência era germânica,e ela procurava transmitir um pouco do que meus avós e os anteriores a eles,tinham de história.
Quando eu era criança,não entendia muito bem o significado do simbolismo por trás de cada nota.
Desde pequeno,não era muito percebido em sala de aula,a não ser pelas altas notas nas matérias,principalmente as ligadas as áreas de exatas,e claro,geografia e história. Digamos que eu tinha o dom de ser a escuridão,por si só.Sendo assim,eu ficava muito bem em um canto. Se observassem com atenção, sempre estive ali. Meus olhos azuis não me facilitavam as trilhas dos amores juvenis com as meninas,muito menos minha altura,e os cabelos loiros.
Na adolescência deixei os cabelos crescerem,e a barba,conforme desenhava-se em meu rosto.
Esse período não foi muito diferente do anterior...Apenas estava crescendo ainda mais,e me sentia estranho por dentro. Nada se ajustava...E não era algo comum,pelo menos,não comigo.
Então chegou a escolha do vestibular...Resolvi prestar para Medicina. Meus pais nem acreditaram naquilo...E eu surpreso do porquê.
Prossegui no objetivo,mas nem isso me animava. Continuei a dedicar-me,fui um dos melhores da turma,consegui ultrapassar certos limites,dava orgulho aos professores...E então,veio a Residência. Passei com maestria,e estava pronto para o mercado da saúde.
Era jovem,minha estrutura havia se modificado e os anos de remo na universidade me fizeram muito bem ao corpo. Mesmo assim,minhas experiências sexuais eram incompletas.
Até conhecer o Maurício,e seus contatos na noite...
Ele me levou a lugares onde jamais imaginaria estar. Então pude explorar-me mais...Pude infligir tudo aquilo que sentia,em outra pessoa,de forma consensual.
Não entendia a razão pela qual sentia tudo aquilo. Tive um bom berço,nada traumático aconteceu comigo ao longo do tempo que chegasse ao extremo. As coisas surgiram na minha vida de forma natural,conforme eu ia evoluindo.
Mas esse lado dentro de mim,gritava o mais alto som. E eu não conseguia dominá-lo!
Me aprofundei tanto até conhecer Carmília. Legítima ruiva,pele branca como lençóis de seda,a boca carnuda como o desejo,curvas exuberantes,distribuídas em 55kg.
A primeira vez que a vi foi submersa na banheira de sangue,da área privada do clube. Aquilo fez elevar-me até o limite do prazer...O Nirvana. Só de observá-la banhar-se naquele sinal de brutalidade,eu sentia meu corpo latejar.
Ela olhou pra mim,eu não conseguia pensar em mais nada.
O vício nestas práticas me levaram a ter uma relação intensa com ela. Relação essa, 24/7. Ela fazia tudo que eu desejava. Se dedicava completamente. Aquele seu aspecto frágil,me fazia ter outros tipos de fantasia,mas eu não conseguia fazer algum mal a Carmília...Tão bela,tão voluptuosa,tão esperta,tão única.
Um dia resolvi confessar-me...E como resposta,fui ignorado por 5 dias. Voltou a procurar-me e dialogamos intensamente. Ela me trouxe um presente.
Deste presente,seguimos causando o caos de nossos universos internos,aos que jamais entenderiam. Aos que não pediram para aquilo acontecer.
Fizemos isso durante alguns anos,sem nenhum rastro.
Carmília me deixou...Nua em minha cama,cheia de pétalas de rosas,banhada em sangue. Mas dessa vez não era sangue falso.
Ela proferiu sua sentença em um gravador.
Tudo que me restou dela,foi isso.
Ela está a minha volta ,todo momento. Ela fala comigo,de formas sensoriais. Ela me pede para unir-me a ela...E toda noite,isso se torna ainda mais forte.
Passei a fazer plantões de madrugada,também. Pra conseguir fugir disso.
Até que nos encontramos de novo, em um leito de morte na ala L7.

Ela observava calmamente, o falecimento daquela senhora,que estava antes na UTI.
Virou para mim e disse:
-Hoje você não fugirá de meus encantos,nem de meus cuidados...

Corri,pois por mais que desejasse isso,sabia que não era racional o que estava acontecendo.
Não resolveu nada.

Me tranquei em meu escritório,a escuridão retornou para abraçar-me.
Volto a ele repetidas vezes,depois de ter longas conversas com ela...
Vou trabalhar todo dia,mas as pessoas não me cumprimentam,e apenas alguns pacientes conversam comigo.
Percebo que os que conversam comigo,a maioria falece tempos depois.

Onde estou?